Conheça o Livro: "Vestígios do Passado

ORGANIZAÇÃO E ORIENTAÇÃO:
PROFª. MARIA VIONEIDE LINHARES


Dedicatória:
Este trabalho foi feito para registrar a
nossa participação na Olimpíada de Língua
Portuguesa- Escrevendo o Futuro/2010, na
categoria MEMÓRIAS LITERÁRIAS, da
qual fomos semifinalistas, além de ter o
Relato de Prática selecionado como o
melhor do Nordeste I.
Dessa forma, dedico este trabalho a todos os meus colegas professores, alunos do 8º ano desta escola e em especial a aluna Natália Dutra de Oliveira- semifinalista.



Apresentação:
As atividades para a construção dos textos de
memórias literárias formaram vínculos fortes e
humanizados. É que para escrever esses textos
os alunos estabeleceram contato com uma pessoa
mais velha da nossa comunidade e ouviram as
histórias, impressões e experiências de vida que
eles tinham para contar. A narrativa traz uma visão de
mundo particular, em geral distante da realidade
dos alunos, que foram convidados a recriar o que
ouviram, escrevendo um texto.
O lugar onde vivem – narrador e ouvinte – foi objeto
para a reflexão dos dois: daquele que lembra e
daquele que pergunta para depois reconstituir
o que é lembrado. Trata-se de uma ação que
estabelece compromisso: “Eu conto a minha
história; você a salva do esquecimento”.
Esse compartilhar de experiências, num encontro
de gerações, está presente nos textos a seguir.
Um encontro permeado de memória e de espaço
de vivência comum que reforça identidades.
Agora, você, leitor, poderá saborear as histórias
escritas por alunos do 8º ano do Ensino Fundamental
da Escola Estadual Dr. Xavier Fernandes, que foram
conduzidas pela professora Maria Vioneide Linhares
numa viagem fantástica!



NAS TRILHAS DO PASSADO
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Natália Dutra do Oliveira


Sentado numa cadeira de balanço, lá estava ele, Zezão me aguardava para a entrevista, acho que ele estava relembrando sua vida de menino. Não foi difícil iniciar nossa conversa. Nem precisei perguntar nada, como num devaneio ele começou a falar e eu embarquei naquela aventura.
“Quando eu era menino, tinha sempre um sorriso brilhante em meu rosto, me divertia com meus velhos amigos debaixo de uma mangueira onde fazíamos balancê, carrinhos e bonecos e era com isso que me divertia... E como me divertia!
Quando jovem, trabalhando em Patu na linha do trem, no conhecido bairro da estação, fui operário e fazia a manutenção do trem. O meu serviço era muito pesado e muito cansativo, mas era meu divertimento. Chegava cansado em casa, sentava no meu banco de madeira e sempre preparava um chá preto bem quentinho na minha pequena caneca vermelha.
Depois de dormir, levantava bem cedinho com os raios de sol que invadiam o meu quarto pelas frestas da janela, sentia o cheirinho de café que dava água na boca e o saboreava com aquele pedacinho de pão carteira. Ia trabalhar com o mesmo sofrimento e aquelas máquinas de ferro que funcionavam a lenha acordavam a moçarada toda, fazendo piuí! Piuí!
Era legal ver as pessoas com suas malas na mão, esperando a passagem do trem, lá aproveitavam para fazer um lanchinho nas pequenas barracas onde comiam tapioca, cocada, bolo até compravam água, sem ser mineral.
Muitas pessoas iam estudar fora da cidade de trem, era o meio de transporte mais barato. A viagem era muito demorada, o trem andava muito devagar, muita poeira, e sem nenhum conforto. Os vagões eram superlotados e muitos passageiros andavam na plataforma do trem, sem nenhuma segurança. Era muito perigoso, mas pra eles tudo dava certo. Muita paquera acontecia e eu me divertia muito.
Posso até mesmo imaginar o bairro alegre, cheio de aventuras com meninos e meninas comendo algodão doce, brincando com seus carrinhos de lata e bonecas de pano, mesmo que eles não fossem viajar, iam pra lá, se divertir, pois a felicidade deles era está na animação.
Com o tempo me casei, tive filhos e assim construí minha família. Costumava levar todos para um bom passeio de trem, com minhas merrecas pagava um lanchinho e saciava a fome de todos.
Depois tudo ficou mais triste, porque a companhia do trem, não tinha mais condições de comprar o que precisava para a manutenção das máquinas. É que em algum tempo dava muito prejuízo, pois surgiram outros meios de transportes.
Perdi o emprego, lamentei, sentei ao lado de minha família e disse: “Vou conseguir outro emprego”. Comprei um carro e segui minha vida de taxista e é com esse trabalho que sustento minha família. Hoje vivo muito feliz!
Ah! Quanto à estação ferroviária foi desativada e os trilhos retirados e em seu lugar construíram uma praça, onde as crianças costumam brincar, dessa vez com bicicletas e bolas.”
Percebi na fala simples de Zezão, a magia que o trem trazia para as pessoas do lugar onde vivo.

Baseado na entrevista de José Alves de Oliveira (Zezão), 63 anos. Semifinalista na Olimpíada de Língua Portuguesa, 2010 na categoria Memórias Literárias.



SETE DE SETEMBRO
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Érika Fernandes


Aquele tempo de menina havia ficado para trás, as bonecas já não faziam mais parte do meu mundo. As brincadeiras de casinha, bonecas de sabugo... Ah que lindas elas ficavam com aqueles vestidinhos de pequenos pedaços de chita! Tudo era mais fácil, mesmo quando faltava o essencial. Mamãe e papai eram rígidos comigo, eu não éra nem besta em desobedecê-los. Aquela comunidade simples não me dava oportunidades, mesmo assim ia para escola todos os dias. Prédio escolar, como hoje em dia? Nada disso, era na casa da professora que estudava e se não obedecesse ou mesmo errasse a leitura da carta de ABC, era palmatória na certa.
Tudo havia ficado para trás, era moça feita. Agora me interessava por outras coisas. Mas a grande diversão era vir para Patu, para a casa da minha tia. Aqui fiz muitas amizades com moças e rapazes da minha idade. Não tinha a mesma liberdade que as moças de hoje, mas podia ir até a estação ferroviária, hoje o bairro da estação e lá podia ver as pessoas que se preparavam para viajar no trem, as que chegavam ou passavam para outras cidades e mesmo aquelas que como eu, iam apenas para se divertir. Era sem dúvida o lugar mais agitado da cidade, onde podíamos paquerar ou mesmo namorar. É isso mesmo, até arrumei um namorado e não era qualquer um, era o maquinista do trem.
Passado alguns anos, já casada e com filhos, decidimos vir morar aqui. Este bairro era um deserto só, no lugar dessas casas era só mato, dormíamos ao som dos pássaros, mas era muito tranquilo. Difícil mesmo era manter uma família de dez filhos.
Embora meu marido trabalhasse de sol a sol, havia dias em que só tinha o feijão. Foi quando me decidi fazer um curso de corte e costura. Tornei-me costureira das mulheres de posse, dessa forma as coisas começaram a melhorar.
Fiquei bastante conhecida na cidade, não só pelos vestidos que fazia, mas pela participação nos eventos da escola em que meus filhos estudavam. Estava sempre ali, pronta pra ajudar. O dia mais esperado do ano era o 7 de setembro. Todos iam para a rua com as crianças para ver o desfile que tomava conta da avenida, rua principal da cidade, terminando em frente à prefeitura. As bandas de música vinham de outras cidades e esbanjavam luxo com seus ternos coloridos e bem enfeitados com fitas e sianinhas douradas. As escolas faziam tudo para se apresentarem bem e enchiam os olhares daqueles que vinham para saber qual estaria melhor. Eu acompanhava desde os preparativos até o grande dia. As alegorias iam de carroças a cavalos enfeitados que exibiam charme e reforçava a exuberância das mocinhas mais bonitas que faziam a ala de frente. Ajudava a confeccionar as roupas, desde os vestidos de princesas às roupas de saco, que vestiam os escravos, muitas vezes representados por alguns dos meus filhos... É que ser escravo saía mais barato.
Outro atrativo daquela festa eram os policiais, que exibiam suas fardas impecáveis e as armas que agradavam os adultos e metiam medo na criançada. Com passos firmes e fortes demonstravam poder e autoridade. Ao fim do desfile podíamos ver a autoridade maior da cidade, vossa excelência, o senhor prefeito que passava sobre um carro aberto. Toda aquela festa era encerrada com o canto do Hino Nacional, ao pé da bandeira do Brasil, uma demonstração de amor e respeito à pátria.
Aquele tempo passou, meus filhos cresceram, estudaram e se formaram. Tenho filhos, engenheiro, contador, professor... Todo esforço valeu a pena, amo meus filhos e faria tudo de novo se preciso fosse. Hoje vivemos bem melhor, minha casa é ponto de encontro dos meus filhos e netos. Aquele mato deu lugar a casas, escola, módulo esportivo, comércio e a antiga estação ferroviária é agora a praça do povo. Já não saio mais para ver os desfiles, sei que não são os mesmos. Os jovens de hoje têm outros interesses.

Baseado na história de D. Terezinha, 72 anos.



TREM DA ALEGRIA
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Thereza Raquel A. Linhares


Existia algo muito especial, fascinante, coisa que nos enchia de alegria. Ah! Posso até chamá-lo de trem da alegria. Só em pensarmos que não vinha, ele mesmo, o trem que fazia nossa alegria, ficávamos enfurecidos... Coisa de menino. É como se aqueles vagões estivessem cheios de amor, de paz e nos trouxéssemos o perfume da felicidade.
Como a maioria dos meninos daquele bairro simples e pacato, de sol escaldante que dourava nossa pele de moleque, fazia de tudo uma diversão. Ao pé da serra podíamos ver mais mato do que casas. Menino travesso e sonhador, eu queria ser um daqueles cantores que ouvia no rádio e animava até os mais velhos, cansados da lida na roça. Juntos a outros meninos do bairro, formamos uma banda musical e se não agradávamos, mas nos divertíamos pra valer.
Nossa festa vinha mesmo ao som do piuí! piuí! Parecia que vinha ao nosso encontro. E quem falou que íamos para a estação esperá-lo? Nada disso. Íamos para a calçada mais alta de onde pulávamos e vínhamos pendurados até a estação. Quando o trem parava na estação, descíamos e entrávamos bem escondidinhos. Sentávamos nos vagões, colocávamos os braços para fora da janela e fingíamos ser passageiros. Ali, nossa imaginação corria solta. Era possível sentir o cheiro de mato, o vento batendo no rosto como uma carícia de mãe. Mas logo voltávamos à realidade com a chegada dos seguranças que corriam atrás de nós, mas nunca conseguiam nos pegar. Passávamos de um vagão para o outro como foguetões. Bom era entrar no restaurante e sentir o cheirinho de comida embora nunca pudéssemos provar.
Eram muitos vagões, dividiam-se em primeira e segunda classe e ainda tinha os de cargas. Todos andavam de trem. Pobres ou ricos, a passeio ou a negócio. Ali pertinho existiam barracos onde se vendia de tudo e ainda tinham mulheres com mesas onde vendiam um cafezinho, bolos, tapiocas e outras coisas.
Da janela de casa podíamos ver sua chegada. Aos nossos olhos de menino ele exibia cores exuberantes. Era pura fantasia que se repetia ao final do dia, sempre anunciando sua chegada. Aquele vai e vem nos fascinava tanto que até hoje, sinto falta dos momentos de infância que passei naquele trem.


Baseado na história de Josimar Santino, 39 anos.




SONHO DE MENINA
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Glycia Laklanny

Menina carente de zona rural morava em uma casinha de taipa a caminho do Santuário do Lima, igreja construída há muitos anos por padres vindos da Alemanha, lugar bastante visitado por romeiros em devoção a Nossa Senhora dos Impossíveis. Principal ponto turístico da cidade.
O acesso ao santuário não era como o de hoje e para pagar suas promessas chegando até à igreja, os romeiros faziam um percurso cansativo e na maioria das vezes com os pés descalços pisavam aquela terra quente sob um sol escaldante.
Comunicativa e atenciosa, nos momentos de folga, lá estava eu, pronta para abrir e fechar a cancela que dava acesso a subida da serra. Eles geralmente vinham de manhã bem cedo em pau de arara, era assim que chamavam os caminhões cobertos de lonas com bancos de madeira, vindos de diferentes lugares do Brasil. Jogavam moedinhas de quinhentos réis e eu as apanhava, juntava e comprava minha merenda. Já os cadernos, lápis e cartilhas eu comprava com o dinheiro da lenha que rachava todos os dias e vendia na cidade. Minha pele branca parecia reclamar daquele sol quente e minhas bochechas ficavam vermelhas como os cajus que costumava buscar no pé.
Isso não era pior que vir a pé para a cidade onde estudava. Percurso que fazia todos os dias, até o dia em que ganhei um jumentinho, responsável pelo meu descanso, ele era meu parceiro de todos os dias. Sem reclamar, permanecia ali preso ao tronco de uma árvore, a poucos metros da escola. Parecia estar disposto a me ajudar naquela tarefa. Podia ir e vir sozinha, nada de mal me acontecia. Maior que as dificuldades para ir à escola, era a minha vontade de aprender.
Como toda menina gostava de brincar e nas horas vagas fazia minhas próprias bonecas de sabugo. Eu as vestia com pedaços de panos e fitas. Com elas brinquei toda a minha infância. Outros brinquedos nem sei se existiam, também não tinha dinheiro para comprar.
Fui crescendo e conhecendo várias pessoas e junto a mim também crescia a cidade. Aquele mato todo ia dando lugar a novas ruas e com elas as coisas foram ficando mais modernas, porém marcadas na minha memória.
Cresci e me tornei professora, depois secretária de educação deste município onde agora moro com minha família. Alguns dos meus trabalhos foram mais marcantes, entre eles a criação das bandeiras das 25 escolas do município - rurais e urbanas, e o Hino da minha querida Patu, apresentado no ano de 2003, em concerto junto a Banda de Música Luiz de Tutu, na Feira da Cultura, evento tradicional ligado à festa da padroeira da cidade, que acontece todos os anos no mês de setembro.
Do passado guardo as lembranças de um tempo que não volta mais.

Baseado na história de Maria Cely Suassuna, 65 anos.


O SELEIRO E O TREM
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Thauan de Paiva Costa


Aquela seria a primeira vez que andaria no trem. Vai ser emocionante, pensei. Meu coração parecia querer sair pela garganta. Estávamos meu pai e eu. Não era bem um passeio, íamos vender as selas que produzíamos em família. Aquele tempo de brincadeiras estava ficando para trás, já grandinho precisava fazer parte daquela equipe familiar de trabalho. Enquanto esperava o trem chegar, mesmo emocionado pensava como tudo havia começado.
Nasci em meio a selas e tudo o que se podia fazer com o couro de animais. Era uma tradição de família. Meu pai havia aprendido com meu avô e agora meus irmãos e eu aprendíamos com meu pai. Já havia me acostumado com aquele cheiro e parecia que ele me acompanhava a todos os lugares, mas isso não foi ruim não.
Voltei do devaneio com o barulho do trem que anunciava sua chegada à estação. Tinha muita gente naquele dia e precisávamos esperar um pouco, pois entraríamos na segunda classe... Era mais barato. Movido a carvão deixava rastro de fumaça por onde passava e assim seguíamos até Mossoró, onde seriam vendidas as selas.Contudo, andar de trem era pra mim muito divertido. Tinha até forró pé de serra ao som de do triângulo e do pandeiro. E ainda aprendia a negociar com meu pai, estava sempre atento, um dia seria dono do meu próprio negócio.
Não demorou muito e aos 16 anos já confeccionava e vendia minhas próprias selas. Pouco depois dividia meu tempo de seleiro com a namorada e eu nem sabia que se tornaria minha esposa. A noite ia à sua casa e sentados à calçada mal podíamos conversar, pois sempre tinha alguém ali juntinho a nos pastorar. Não demorava, para que seu pai nos avisasse que era chegada a hora de entrar para dormir e eu que teria que fazer aquela viagem toda de volta pra casa.
Aquele percurso de Patu a Mossoró fiz inúmeras vezes. Casei, construí minha família e por muito tempo a estação era meu ganha pão. Primeiro viajando para fazer as vendas das selas e depois vendendo lanches e refeições em um barraco.
Anos mais tarde, o trem deixou de ser o transporte de passageiros e cargas, agora feitos em carros. Aquela cidade calma passou a ser um espaço cada vez mais agitado de carros e motos. Os trilhos foram retirados. É verdade que muitos queriam ver ainda o trem passando na cidade, mas a luta foi em vão. O prédio da estação permanece, mas no lugar dos trilhos foi construída uma praça para eventos. O parquinho ali construído foi logo destruído e em seu lugar rapazes jogam vôlei nos finais de tarde.
Aquele é um espaço que precisa ser conservado, pois é a memória viva do nosso povo.

Baseado na história de Francisco Dantas de Aragão - Cici, 63 anos.



AMORES DO PASSADO
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Layane Christiny


Parece loucura, mas tem horas que pareço estar flutuando, voltando no tempo. Posso lembrar com detalhes do meu tempo de mocinha. Ainda adolescente, minhas amigas e eu sonhávamos em encontrar o nosso príncipe encantado. Como em contos de fadas em que a princesa encontra seu príncipe montado em um cavalo branco.
Já nem sei se as mocinhas de hoje sonham com isso, a maioria delas parecem estar mais preocupadas em encontrar um rapaz rico, com carro do ano. Lamento! A verdade é que hoje em dia tudo é mais fácil, como dizem os adolescentes atuais, mais liberais.
Moça de cidadezinha pequena, nossa diversão era reduzida a uma festa religiosa ou mesmo ir à igreja no final de semana acompanhada de senhoras casadas e de respeito. A calçada da igreja terminava sendo ponto de encontro, lá se podia conversar como dizem hoje, botar os papos em dia.
Na rua onde morava, de poucas casas, não havia quase diversão. Televisão, telefone era coisa de rico, computador e celular nem sei se já existiam. Era no máximo um rádio e além de ouvir músicas ainda ouvia-se as novelas. Podia-se reconhecer cada um que fazia parte da trama só pela voz. Fora isso nos restava dormir cedo.
Namoro na calçada era sempre acompanhado do pai ou da mãe. Eles precisavam se certificar de que não se fazia nada de errado. É bem verdade que mesmo com toda aquela vigilância ainda dávamos um jeitinho para aquelas fugidinhas e assim podia-se trocar beijinhos e abraços mais coladinhos, como dizem as mocinhas de hoje, uns amassos.
Ah! Mas aquelas que se atreviam a desobedecer as regras dos pais tinham sua reputação criticada, discriminada, ficava difícil arrumar pretendente. É que as moças daquela época eram preparadas para o casamento.
Aquele era sem dúvida um bom tempo, onde o respeito era prioridade e as moças podiam escolher o rapaz com quem casar.
Procurei educar meus filhos dentro dos meus princípios, porém reconhecia que se tratava de uma nova realidade, por isso tive que me adaptar a muitas coisas. Não foi difícil, o mais importante era mesmo a felicidade deles.


Baseado na história de Rita Calixta, 53 anos.




O MAQUINISTA
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Mateus Pereira Feliciano


Enquanto eu passava nas proximidades da praça do povo, antiga estação ferroviária a caminho da escola, me perguntava como era a estação quando o trem passava ali. Essa pergunta ficou na minha cabeça e eu não conseguia pensar em outra coisa. Ao sair da escola, procurei minha tia Luzia para perguntar-lhe da antiga Estação e do trem que ali passava. Ao chegar a sua casa, fui logo lhe fazendo perguntas. Ela esboçou um sorriso leve enquanto me pedia calma. “Vou contar-lhe tudo que ainda lembro, mas primeiro sente-se e acalme-se”. Fiquei atento ouvindo todas as coisas que ela me dizia, enquanto imaginava como seria trabalhar na estação, naquela época. Eu poderia ser um guarda, ou um vendedor de bilhetes, pensei.
“Ah! Eu andava de trem quase todos os dias. Era maravilhoso, embora tivesse que acordar bem cedinho. O trem partia às sete horas da matina e voltava à tardinha, junto com o por do sol. Mesmo sendo movido a lenha, era o transporte mais rápido da época. O maquinista era o responsável pelo controle do trem, enquanto o foguista alimentava a fornalha. Ele tinha que ser rápido, porque quanto mais lenha, ele colocava na fornalha, mais rápido o trem andava. O cobrador era o mais temido, porque de vez em quando, alguém tentava viajar sem pagar. Lembro-me do dia em que o filho de um grande comerciante da cidade tentou viajar sem pagar e foi descoberto. Quando seu pai descobriu, deu-lhe uma surra de chinelo e aquilo nunca mais se repetiu.
Meu desejo era mesmo viajar de primeira classe. Mas como? Minha família não tinha muito dinheiro e a primeira classe era reservada para políticos e grandes comerciantes. Mas o restaurante era para todos. Lá fazíamos as refeições. Era o vagão mais movimentado do trem. Ainda tinha o vagão de cargas, onde os passageiros colocavam as bagagens. Se os pertences fossem em pequena quantidade, os passageiros podiam levá-las consigo, pois havia uma espécie de grade presa nas paredes, afastadas a uns poucos centímetros do teto. Às vezes o trem também transportava gado. E para isso, era necessário prendê-los no último vagão em uma espécie de gaiola, para sua segurança e dos passageiros.
Descobri para que servia a portinha no teto, a saída de emergência, ainda criança, quando ao cair no vagão, enquanto brincava correndo de um banco para outro, fiquei por algum tempo imóvel no piso. Curiosa, engoli o choro, levantei-me sacudindo a poeira e fui perguntar ao maquinista para que servia. Aquele homem bom me explicou calmamente, enquanto me afagava a cabeça num gesto carinhoso. Ainda lembro bem de cada cidade por onde passei: Mossoró, Almino Alfonso, Caicó e muitas outras. Hoje o trem não passa mais por aqui e a antiga Estação Ferroviária foi transformada em praça. Agora vou lá apenas para fazer minhas caminhadas e sempre volto para casa com meu coração cheio de saudade daquele tempo. Só me restam as lembranças de um tempo que não volta mais.”
Daquele dia em diante aquela praça passou a ser um lugar ainda mais especial para mim. As histórias contadas pela minha tinha Luzia ganham vida na minha imaginação, todos os dias enquanto caminho para a escola.

Baseado na história de Luzia Pereira de Guimarães. 60 anos



OS CARNAVAIS
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Dayanna Cordeiro

Minha infância foi o melhor período da minha vida. Junto a outras crianças da minha idade, brincávamos de pular corda, brincadeiras de roda e casinha. Nossos brinquedos eram todos improvisados. Tijolos viravam cadeiras e mesas, sabugo em bonecas e as sementes de mato eram as comidas. Nas brincadeiras de esconde-esconde, eu era a mais esperta e nunca me achavam. Aquilo durava pouco. É que criança também trabalhava. Era preciso desde cedo ajudar nos serviços de casa. Lavar louças, varrer casa, ajudar a pilar o milho e a debulhar o feijão.
Estudar, nada disso. Não podia ir à escola, que ficava longe de casa e funcionava na sala da casa da professora. O livro era a cartilha do ABC que os alunos levavam bem guardadinho no saco plástico transparente, para protegê-lo dos pingos da chuva que vez por outra pegavam no caminho. Aprendi a ler e a escrever em casa. Escrever o nome bastava, afinal como dizia meu pai “estudar não enche barriga”. Os valores eram outros, diferentes dos de hoje.
Moça feita, minha maior diversão eram os carnavais. As modinhas tocando ao som de vitrolas, num ritmo animado, faziam todos tirarem o pé do chão. Os carnavais eram para o povo, famílias inteiras participavam dos blocos, ranchos, havia coretos na avenida principal com bandinhas tocando as marchinhas e todo mundo, de criança a idosos, podia participar da folia, pois se gastava pouco dinheiro e havia muita alegria e respeito. Ao som de “mamãe eu quero”, “chiquita bacana” e “linda morena” todos se divertiam e exibiam trajes feitos especialmente para aquele momento.
Muitas vezes era nessa festa que começávamos a namorar. Nas ruas ou no clube a animação era uma só. O momento ideal para os rapazes e moças se aproximarem e as paqueras se transformarem em namoros ou mesmo em casamento. A cidade ganhava brilho e cor e aqueles que estudavam fora, traziam as novidades da moda e os estilos daquele povo para se juntar a nós. Uma oportunidade de rever os amigos e reviver a alegria dos carnavais de cidadezinha de interior, que em sua simplicidade fazia a felicidade de todos.

Baseado na história de Dona Rita. 68 anos



TEREZINHA CORTEZ DANTAS- DIRETORA
CIBELY FRANCELINO DE ALMEIDA- VICE-DIRETORA
MARIA ANTÔNIA NETA- COORD. PEDAGÓGICA
SELMA S. DE MEDEIROS- APOIO PEDAGÓGICO
ZENAIDE M. DE HOLANDA- APOIO PEDAGÓGICO
LILIAN L. GODEIRO – PROF. SALA DE LEITURA
CLÁUDIO GODEIRO DUTRA- SECRETÁRIO
ARTE GRÁFICA:
NEUZA RUANA FERREIRA (ALUNA)
REVISÃO:
JOSÉ BEZERRA DE ASSIS

ORGANIZAÇÃO:
MARIA VIONEIDE LINHARES
PROFESSORA DE LINGUA PORTUGUESA

PATU/RN, 2010